Porque se eu encontrasse uma celebridade eu não surtaria

Há muito tempo, em um momento da minha vida, eu decidi que se por acaso um dia eu encontrasse uma celebridade, por qualquer motivo, eu não surtaria. Não faria nada. Nem mesmo tiraria uma foto. Eu ficaria simplesmente na minha. Como se tudo estivesse normal. Mesmo que fosse uma celebridade que eu admirasse muito.

Porque?

Por várias razões. Três razões em especial.

A primeira e principal, é que fazer isso seria um ato de idolatria. Idolatria viola o primeiro mandamento de Deus ("Não terás outros deuses além de mim. Não farás para ti nenhum ídolo, nenhuma imagem de qualquer coisa no céu, na terra, ou nas águas debaixo da terra. Não te prostrarás diante deles nem lhes prestará culto." Êxodo 20 3-4-5). Eu posso não ser uma cristã fervorosa (Simpatizo com o cristianismo e até adoto alguns de seus princípios para mim, mas me considero mais uma teísta irreligiosa. Ou seja, eu acredito em Deus sem obedecer a nenhuma religião), mas levo a sério os mandamentos de Deus, por achar que eles estão certos e fazem muito sentido. E esse da idolatria faz total sentido. Deus não quer que nós adoremos nenhum outro Deus não porque Ele seja narcisista, ou porque nos quer inteiramente para Ele, e sim porque Ele sabe que toda imagem que nós adorarmos que não seja Ele, seria falsa em relação a Ele. Afinal de contas, ninguém se compara a Deus. Logo tudo que nós adorarmos no lugar dEle é meramente um substituto muito pobre em relação a Ele, falso. Isso é até mesmo confirmado no livro Jesus, O Maior Psicólogo Que Já Existiu: "Algumas pessoas tem dificuldade em relacionar-se com Deus, mas, como precisam ligar-se a alguma coisa, colocam objetos no lugar dele. É assim que Jesus definia a idolatria." (No caso seria o ídolo no lugar do objeto). Fora que os outros Deus não existem (Sei que isso geraria muita discussão, mas é o que eu acho). Fora que idolatria faz muito mal à saúde mental (Basta ver aqueles fãs completamente lunáticos), ela é um precursor para gerar o transtorno de erotomania, que leva ao stalking, a ameaças de morte, a sequestro e a outros crimes. Adorar Deus é a única adoração saudável, a correta. Lógico que também existe fanatismo não saudável por Deus, mas adorar Deus basicamente é o correto. Surtar irracionalmente diante de uma celebridade, significa que eu fico extasiada pela presença dela, e se eu fico extasiada pela presença dela eu a estou adorando, eu a estou tratando como um ser divino, eu estou a colocando no mesmo patamar de Deus. Deus é a única presença pela qual eu deveria ficar extasiada, louca, desesperada. Porque Ele é o único digno disso. O único que merece isso. Os outros são meros mortais, assim como eu. A fama e o dinheiro não mudam isso.

A segunda razão, é que eu acredito que isso seja objetificação de superiorização. Um termo que eu mesma inventei para denominar quando se coloca um ser humano em um patamar superior, acima do normal, divino. Ou seja, quando você o objetifica como um Deus, um ídolo, um ser superior (A propósito, eu odeio o termo "idol". Ele remonta a idolatria. Prefiro usar o termo "celebridade"). Isso é falso e errado por causa da razão que eu acabei de dizer acima (ninguém se compara a Deus) e porque nenhum ser humano é nenhuma dessas coisas, e sim são apenas pessoas, pessoas normais assim como eu e você, que comem, dormem, respiram, amam, que tem defeitos e qualidades e são mortais. Talvez você não ache que exista algum problema com isso, com idolatrar uma pessoa como um Deus, porque afinal de contas, eu estou a enxergando de forma positiva certo? Como algo melhor do que ela é, eu estou a admirando. Ou melhor ainda, SER idolatrado como um Deus. Tenho certeza de que você adoraria a idéia certo?

Talvez você mude de opinião sobre essas duas coisas se ler este texto retirado do livro A Droga do Amor da saga Os Karas, de Pedro Bandeira.

"Calú espremeu o tubo de pasta de dentes, estendendo a minhoquinha branca sobre a escova. Levantou as olhos e encarou-se no espelho. A briga que dissolvera os Karas pesava demais. "Mas foi melhor assim... Eu não agüentava mais." Lembrou-se da reunião. A última reunião, no esconderijo secreto do grupo dos Karas, o forro do vestiário do Colégio Elite. Tudo deveria estar resolvido depois da briga. Mas, no fundo de sua alma, Calú sentia que nada estava resolvido. "Os Karas não existem mais! E eu... ai, Magrí! Eu ainda não agüento..." Calú fechou os olhos, como se, dentro das próprias pálpebras, estivesse vendo aquele rostinho: "Eu amo você, Magrí... desesperadamente..." Lá estava ele, no espelho, ouvindo suas próprías confissões. "Como posso manter o equilíbrio perto dela? A gente vive se metendo nas maiores confusões, enfrentando perigos, e ela sempre alí, corajosa, alegre, carinhosa com todos nós, e eu..." Seu rosto bonito refletia-se no espelho. Aquele rosto que derretia tantas garotas. Calú era um ator. Teatro, comerciais de televisão... as meninas o reconheciam a toda hora, olhavam para ele como se fosse algum deus do Olimpo. Não o enxergavam como pessoa, como gente. Tantas garotas que o cercavam, insinuando-se, cada uma querendo ficar com ele, pelo menos uma vez... "Ficar? Ficar! Ficar com Magrí? Ah, com Magrí eu quero ficar, ser, estar, permanecer, parecer, continuar! Viver com ela! Não dá pra viver sem ela!" Calú sentia-se só, mesmo sabendo que qualquer garota do Colégío Elite daria tudo para ficar com ele. "Ficar com quem? Com o semideus que elas imaginam, que elas idealizam, mas que não sou eu? Ou ficar comigo, com a pessoa que eu sou, um ser humano, alguém de carne, osso e sangue, que tem seus momentos de fragilidade, que quer carinho, que tem carinho para dar? Elas só querem o ídolo... Mas Magrí é diferente. Ela sabe quem eu sou. Ela me conhece. Só ela poderia me compreender... Me acolher, como eu sou... Mas ela... Ah, Magrí!" Uma lágrima quente, doída, escorreu pelo rosto do ator dos Karas."

Quando eu li essa parte pela primeira vez, eu fiquei chocada. O livro inteiro eu estava achando injusto o Calú competir com os outros dois pela Magrí. Afinal de contas, ele era o menino mais bonito do colégio Elite, um ator famoso, que fazia peças de teatro e comerciais, ele podia ter qualquer mulher que quisesse, logo não precisa da Magrí. Mas eu estava tremendamente enganada. As meninas, as fãs dele, não o queriam de verdade, e sim apenas o queriam superficialmente. Queriam o ídolo, o famoso, o astro, queriam quem elas achavam que ele fosse. Não o queriam como ser humano. Não o conheciam. Não o amavam de verdade. Talvez você ache que ame uma celebridade, que vê diariamente na TV, na internet, no cinema e nas revistas, quando na verdade você apenas a ama de forma superficial, não a conhece de verdade, não sabe de suas qualidades e defeitos. Você vê na TV uma pessoa super produzida, perfeita, sem defeitos. Mas aquela não é a realidade. Aquela pessoa tem defeitos, assim como você. Quem ama de verdade essa pessoa são a família e os amigos dela, ou seja, quem a conhece de verdade. Você é apenas um mero fã. Fora que amar uma pessoa apenas porque ela é famosa além de superficial é interesse. Você amaria essa celebridade se ela não fosse famosa? E rica? Depois de ler esse monólogo, eu nunca mais enxerguei celebridades da mesma forma, passei a enxergá-las de forma mais humana.

"Como são admiráveis as pessoas que nós não conhecemos bem" (Millôr Fernandes).

"Você queria ser amiga de Shane Gray e não de mim". (Camp Rock - filme).

"Que garota não teria chance nenhuma com você Justin?" (Eliana).

"Gostar de mim só porque eu sou o Justin Bieber". (Justin Bieber em entrevista a Eliana).

Você talvez também mude de opinião se assistir aos documentários sobre celebridades do canal E! (Entertainment Television). Vi um uma vez sobre a Britney Spears e pela primeira vez, entendi porque ela era tão louca. Uma vez, ela estava tentando sair de casa, entrou no carro com o filho no colo, e os fotógrafos não a deixavam sair com o carro. Outro com a Miley Cyrus, em que sua irmã revelou que a família não podia sair nem para tomar um café que os fotógrafos os incomodavam. A partir disso, fiquei com pena dos famosos por terem que aturar isso. Eu também iria enlouquecer se algum fotógrafo louco tirasse uma foto da minha calcinha e postasse na internet. A invasão de privacidade enlouquece qualquer pessoa, já que ela é uma necessidade básica.

Mas foi só em 2010, assistindo o filme Starstruck, que a minha empatia total pelas celebridades despertou. Se o livro e os documentários não te convencerem, você pode assistir a esse filme. Ele retrata tudo o que um famoso sofre na pele, especialmente a invasão de privacidade desumana causada pelos paparazzis e pelos repórteres. Há uma cena no filme especialmente revoltante e repugnante, quando o cantor está tendo uma conversa pessoal com a menina que ele gosta, e do nada, a repórter invade o local sem permissão e enfia o microfone na cara dele, interrompendo bruscamente a conversa onde ela não foi chamada, sem nenhum respeito pelos dois. Eu sei o que ela diria se eu a questionasse sobre isso, o que todo repórter/paparazzi/jornalista diria: "Se eu tiver respeito pelos famosos, não vou capturar um furo imperdível sobre ele!" Claro que isso gera várias discussões, especialmente sobre a ética dessas profissões. Mas infelizmente o mundo que vivemos funciona assim. 

Há também o contrário, a objetificação de inferiorização, outro termo inventado por mim, que é quando se enxerga um ser humano como menos do que ele é, quando se coloca um ser humano em um patamar inferior, abaixo do normal, miserável. Ou seja, quando você o objetifica como um lixo, excremento, um ser desprezível e inferior. Isso ocorre obviamente com preconceito (a objetificação de inferiorização é um precursor para o preconceito. A objetificação de superiorização é um precursor para a erotomania, para a idolatria e para o fanatismo). Quando você vê um mendigo na rua automaticamente o enxerga como um ser inferior, marginalizado. Mas não ocorre na sua cabeça que ele também é apenas um ser humano, igual você. Enxergar as pessoas como deuses é tão objetificador quanto o extremo oposto, pois nas duas situações se está ignorando a dignidade humana da pessoa. Aquela repórter que enfiou a câmera na cara do cantor o fez justamente por causa disso, por não enxergá-lo como um humano mas sim como uma celebridade, logo ele é obrigado a aguentar isso. Para mim que sou humanista e igualitária, todos os seres humanos são iguais e possuem o mesmo valor. Um mendigo qualquer da rua e o Bill Gates são a mesma coisa para mim. E também para Deus. É claro que no mundo em que vivemos os seres humanos não são tratados de forma igual, mas isso não significa que não SEJAM iguais em sua essência humana. Os dois tipos de objetificação estão ou estiveram presentes em diversas culturas e/ou religiões (Sistema de castas na Índia - os dois, a etnia Burakumin no Japão - objetificação de inferiorização, Mao Tsé Tung na China - objetificação de superiorização).

A terceira e última razão pela qual eu não surtaria, é que eu acho que fazer isso seria chato para o famoso. Imagina você tá de boa e do nada vem um fã ou vários fãs em sua direção gritando, chorando, desmaiando, correndo atrás de você, querendo tirar fotos com você, querendo tocar seu corpo e querendo arrancar sua roupa. Você acharia desagradável não é mesmo? Uma vez uma amiga minha estava lendo em algum lugar (Uma revista ou internet, não lembro) e disse que há três tipos de fãs:

1) As que gritam. Essa é a mais chata.

2) As que choram. Você tenta abraçar para acalmá-la mas isso só piora a situação.

3) E o terceiro tipo você não precisa se preocupar com ela, ela desmaia.

Brincadeiras à parte, isso ilustra muito bem como fãs podem ser chatos. Eu não seria nem um desses tipos. Eu simplesmente ficaria na minha, nem ligando para o famoso.

Depois, ela disse que Leonardo DiCaprio (Eu acho, não lembro se era realmente ele) não gosta de fãs que ficam gritando no ouvido dele. Claro que isso não vale para todas as celebridades. Tem umas que gostam, outras não. A maioria delas gosta do carinho dos fãs e realmente não há problema nenhum em expressar isso. Mas tenho certeza de que nenhuma gosta quando o fã é realmente irritante, invasivo, agressivo, stalker e fanático. Por isso eu decidi que eu queria ser o tipo de fã que respeita a celebridade. Já que ninguém faz isso.

Sobre tirar fotos com eles, eu realmente não tenho uma opinião totalmente formada sobre isso, mas penso que seria idolatria. Porque, porque eu tiraria uma foto? Para ficar a exibindo nas redes sociais com orgulho que eu conheci determinada celebridade? Mas isso não seria adorar uma imagem? Por outro lado, eu tiro fotos com familiares e amigos e nem por isso quer dizer que eu idolatro eles. Pode ser apenas uma recordação. Na dúvida, eu prefiro não. Talvez quem sabe, no calor do momento.

Com tudo isso, não estou querendo dizer que é errado você ser fã. Eu também sou fã, admiro muita gente. Mas não as idolatro. Você pode ser fã, contanto que seja de forma saudável.

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